Geometria Organizacional
Eduardo Cupaiolo - Abril, 2008
Esta semana fui convidado por uma faculdade para dar uma palestra para uma turma de Marketing. Achei que sendo professor e estando numa instituição de ensino faria mais sentido se eu desse uma aula.
Obviamente não resisti à tentação de tratar de porquê o triângulo retângulo obedece à Lei de Pitágoras.Felizmente – para mim e para eles - ainda sobrou um tempinho para tratar de outro assunto igualmente relevante para os objetivos acadêmicos atuais e profissionais futuros dos alunos. Em especial, discutimos sobre as diferenças radicais entre o Ontem e o Hoje das organizações. Um paralelo item a item do que costuma-se chamar de a Era do Produto e a Era do Conhecimento. Referências diretas a o quê as organizações produziram e produzem em cada uma delas. Ontem produtos, hoje conhecimento. Ontem o tangível, hoje o intangível. Produto virou apenas parte do serviço. Serviço virou um conjunto de produtos e atividades para oferecer uma solução completa para as infinitas necessidades da sociedade.Foi por isto que começamos a falar sobre modelos estruturais das organizações.
Falar sobre ontem foi fácil-fácil. Bastou desenhar uma pirâmide. Representar a organização como uma estrutura piramidal é um paradigma milenar, tão forte em nossas mentes quanto Quéops, Quéfren e Miquerinos estão sólidas no deserto de Gizé. E, mesmo que umas como as outras venham sendo desgastadas pelo vento dos tempos e pelo tempo dos ventos, continuam firmes, em pé. Solid as a rock, como poderia dizer Indiana Jones. A aula seguiu bem por mais uns cinco ou seis minutos, até eu, irresponsável e ingenuamente, desenhar uma pirâmide com o vértice voltado para baixo. Foi aí que senti um bafo quente batendo na minha nuca e nem precisei me virar para ter a certeza de que encontraria um monte de queixos caídos.Não que eu não esperasse algum frisson em reação ao desenho, só me chocou o choque provocado em gente tão jovem. Não imaginara encontrar gente parida nos nos anos 80 atada por gases encharcadas em idéias mumificantes como seus ancestrais. Fato é que nossos jovens ainda pensam como os antigos. Ainda acreditam que hierarquia conforme seu significado original é composta por autoridade sagrada e no que é sagrado não é bom que se mexa. Que portanto não há como descrever uma organização de outra forma, que sempre foi e será sempre assim:
Lá,Lááááááááem cima o Presidente. Um só.
Depois, embaixo dele, os Diretores. Mais ou menos uns 5.
Em seguida, embaixo deles - sub-ordenados - percebeu a idéia? - os gerentes.
Embaixo deles, os supervisores, e deles, os chefes, e deles, equipes e delas, estagiários.
E lá, lá, láááááááááááááá embaixo, gráfica, física, filosoficamente, achatada, espremida pela pirâmide,
o restante da sociedade.E completando o modelo:
Os fornecedores antes da pirâmide, à esquerda pois fazem parte das entradas, e os clientes depois da pirâmide,à direita pois fazem parte das saídas.
Resumindo a ópera: neste milenar modelo, organização é sempre piramidal, fechada em seus muros, encimesmada, administrada top-down e a sociedade, os fornecedores e os clientes, literalmente, do lado de fora.Perguntemos, entretanto, se já não é razoável entender e, se me permitem o trocadilho desenhar as organizações, de outra forma? Para começar, mesmo que preservado o modelo triangular, por quê não, desenhá-lo de cabeça para baixo, colocando lááááá em cima, em destaque, a sociedade, os clientes, amplamente suportados pela linha de frente da organização. Por todos aqueles mais próximos da hora da verdade, do dia a dia da organização, da vida como ela é? - E embaixo? Todo mundo embaixo da linha de frente? Os Gerentes? Os Diretores ? E até o Presidente?- Sim !... E não !
Sim todo mundo embaixo, mas formando a linha de frente, ombro a ombro, trabalhando juntos - co-laborando. Todos, incluindo sim os gerentes, diretores e até o próprio presidente, todos atuando para que o cliente seja devidamente atendido.
Por quê, afinal, a empresa toda não pode ser formada de um só tipo de profissional: atendimento ao cliente?. Avancemos então mais um pouco. Deitemos a pirâmide com seu vértice para a direita. Assim em vez de pirâmide, de dar a noção de top-down, ela vira uma seta dando a noção de estar dirigida para um objetivo. Concentrando recursos, ações e intenções em direção a um ponto: levando a cabo a visão do grupo, compartilhada por todos.
Revolucionemos um pouco mais. Pensemos em um formato arredondado em que todos interagem com todos sem o peso das correntes da hierarquia. Ou num formato celular, onde, como nos organismos vivos e sadios, elas se dividem e criam novas células. Permanentes ou temporárias, ligeiramente permanentes ou completamente temporárias. Apenas pelo tempo necessário para alcançar seus objetivos. Indo e voltando ao núcleo central como bolhas de mercúrio, se misturando e se partindo. Indo e voltando conforme a necessidade.Ponhamos agora um pouco mais de tempero nesta salada, pois afinal não dá para viver só de alface. Pelo menos não por muito tempo.Em qualquer um destes modelos, onde devemos colocar os fornecedores? Para dentro. E os parceiros? Para dentro. E os clientes? Para dentro. Coloquemos todos para dentro. Expandamos as fronteiras da organização. De fato, acabemos com elas. Pensemos além do nossos umbigos. Pensemos no todo e em todos. Aceitemos o fato de que precisamos trabalhar juntos para produzirmos algo de valor para todos e sem prejuízo para ninguém.Mas antes de continuar, antes que a metade dos leitores digam que sou apenas mais um maluco, inconseqüente, revolucionário e cheio de idéias sem pé nem cabeça - ou quem sabe, de cabeça para baixo -, e a outra metade afirmar que fui óbvio, não falei nada além do que já se vê em algumas organizações, eu peço, dêem todos à minha reputação um último desejo de condenada à morte: acompanhem-me por apenas mais algumas linhas.Recomendo aos céticos, o contato com a realidade já vivida pelos otimistas. Aos otimistas, a prudência escaldada dos céticos. Aos céticos a disposição de provar o novo, aos otimistas a coragem de avançar mais e mais. Afinal se boas experiências há, muito mais ainda há para ser feito. O desafio não é em nada pequeno. Durante milênios, os caras lá de cima mandaram nos caras aqui debaixo. Dividiram-se as classes e os interesses. O homem foi, desde sempre, o lobo do homem. A mais valia foi apenas para o bolso do dono, da terra, da fábrica, da empresa, da pirâmide, do castelo. Precisamos não apenas sair por aí dizendo que o mundo mudou, precisamos agir já que o mundo mudou. Não por completo, é verdade, mas mudou. E não apenas no campo das idéias, mas ainda mais profundamente, mudou como ser vivo, geológico. Até nossa Mãe Terra já está cansada de nossa estupidez. Precisamos pensar mais com um só ou vamos continuar esgotando nossos preciosos recursos naturais da mesma forma que esgotamos nossas vidas, ano após ano, sangrando-as, Terra e vidas, até a morte.É inaceitável que continuemos a preservar embalsamado por mais tempo o espírito mais profundo das pirâmides. A construção de modelos em que o sacrifício de muitos sirva apenas a razões egoístas e egocêntricas de uns poucos.Triangular, em seta, circular ou celular não importa o desenho. Importa, necessariamente, que a organização, qualquer uma, seja construída em forma de gente.
Eduardo Cupaiolo é palestrante, escritor e Presidente da PeopleSide Human and Organizational Development
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